Um dos perigos que nos ameaçam nestes anos do computador onipresente é o excesso de informações e o que é pior, nem todas confiáveis. Meses atrás escrevi a respeito de uma idéia que circulou nos EUA e que consistiria numa compactação automática de todos os pensamentos e opiniões armazenadas realizando com isso um consenso que seria considerado, para cada problema, a verdade cibernética. No caso que mais me interessa o da música e, no momento, da música popular das massas, é o excesso de novidades, essas sim, cada vez mais show e cada vez menos música em paralelo ao excesso de informações.
Alguns dos meus leitores devem lembrar da definição dada por Wikipedia da "House music": ritmo quaternário automático produzido por um efeito sonoro um pouco mais rápido ou um pouco menos, que vale em termos de som, para quase todas as composições e a “parte melódica” que é uma mistura de pedaços de musicas existentes, ruídos, efeitos eletrônicos diversos como buzinas, sirenas de navio, sinal de troca de turma em fabricas e/ou outras coisas que podem aparecer ou não. É isso também o que a mídia chama hoje, genericamente, de musica.
E acabo de ver num dos jornais que recebo algumas dicas importantes para os que mexem com musica. Dizem essas: divulguem seus trabalhos da maneira mais eficiente possível ou seja fácil e rapidamente, com boa qualidade técnica de som e para o maior numero de ouvintes possível.É isso mesmo! Estamos ameaçados pelos excessos de todo tipo, de informações que mesmo que fossem realmente confiáveis são tantas que nem chegamos a ter tempo para poder escolhê-las e assimilá-las e da música que parece ser a única que merece esse nome, a super-popular que deve ter qualidade técnica de som. O que vale é a moda, o fácil, o barato e o descartável. O lado da emoção artística é deixado de lado, como se a música não deveria ser, antes de mais nada emoção e prazer e não suporte e tela de fundo para outros prazeres simplesmente e brutalmente físicos e sensuais. O meu grande amigo o filósofo francês Paul Naud dizia há 50 anos atrás que o que vale mais hoje é a quantidade que comanda em tudo prestando-se finalmente pouca atenção para a qualidade.
Foi a Revolução Francesa de 1789 que, ao cortar a cabeça do Rei e da Rainha introduziu a tragi-comedia simbólica e sinistra de substituir o que tinha sido ao menos teoricamente a qualidade tradicional por séculos, pelas qualidades republicanas do laicismo, a famosa democracia o menos ruim de todos os sistemas de sociedade, como tanto se diz até hoje. Essa democracia em que na hora de eleger os homens que comandarão vale mais a preferência de 1000 eleitores do que 900, ou ainda quando 50 milhões tem mais valor e leva a palma dos 49 milhões de perdedores. Em termos de musica é a mesma coisa ou seja :a substituição da qualidade pela quantidade O que é da seriedade, da reflexão e do raciocínio em termos de qualidade ? Sabe-se ao menos o que é qualidade ?
No caso da musica, tanto no da musica erudita quanto no da musica popular, há cada vez menos compositores populares disse alguns dias atrás o grande autor, compositor e cantor Charles Aznavour que sabe o que diz do alto de uma carreira de quase 70 anos. Ele estava cantando estes últimos dias em São Paulo para umas platéias lotadas de até 250 reais por pessoas.
Em termos de música erudita os compositores desaparecem também. Um dos maiores músicos e críticos musicais da atualidade escreve numa das revistas mais importantes da Europa Le Monde de la Musique: “Hoje, o desinteresse com a Criação Musical atingiu até a intelligentsia, a qual perora a vontade e de preferência sobre os produtos estereotipados do show-business, sem falar de música, et pour cause.
A crítica musical está em vias de desaparecimento, quantitativamente e qualitativamente, substituida progressivamente por publicidades oportunistas ou pela indiferenciação mercantil americana. O prêt-à-porter e o fast-food tendo virado normas, a própria existência de compositores clássicos, aparece aos olhos de muitos, e na melhor das hipóteses, como uma sobrevivência pitoresca; alguma coisa como entre o feitor de carroças e a irmã carmelita”. François Bernard Mâche (Les cahiers du C.I.R.E.M-1992)Por que ? Porque as coisas são cada vez mais fáceis. No caso da musica popular basta ter um violão e conhecer dois acordes (a música caipira conhece três) e você já compôs, misturando com uma coisa ou outra e de repente você fez um sucesso junto à galera do bairro ou a turma da faculdade sem que se saiba nem como e nem porque, podendo até ser possível um sucesso mundial nas asas da internet.
Em matéria de musica erudita vou contar que ouvi uma conferencia transmitida pela internet de um dos compositores franceses com nome respeitado (deve ter uns 45 anos) recebido para proferir cursos no Collége de France que é um dos lugares sagrados das ciências, artes e intelectualidade francesa. Seu nome: Pascal Dusapin.Nao entendi nada do que ele falou em tom doutoral durante duas horas e confesso não ter tido paciência para ouvir a musica que ele iria apresentar depois .
É pouca provável que essas idéias sejam capazes de explicar o que deveria ser a emoção verdadeira de verdadeira música se um homem como eu, com oitenta e nove anos passados a estudar, observar e cultuar todas as músicas de qualidade tenha ficado sem entender essas de um musico conhecido, acolhido no Collège de France, falando de sua arte e de suas teorias.Ou era de uma genialidade a la Einstein ou era uma tentativa de querer chamar a atenção apesar do ermético de suas teorias.Lembrei do que dizia uma grande professora dos cursos das Historias das Artes que fiz durante dois anos em 1960 na École du Louvre. As obras de Picasso, Matisse, Rouault marcaram o desprezo que esses artistas tinham por uma burguesia que teve que admirar sem compreender nada, nem gostar daquilo que esses famosos pintores criavam.
No caso da música erudita o enorme sucesso ao longo de cada ano de público assinante para os eventos da sala São Paulo leva a certeza que música não é só aquela que a mídia parece achar que é a única na intenção de agradar a um público disponível para ser conquistado em sua grande maioria com shows e efeitos luminosos.
Apresso-me a dizer que quando jovem eu era militante feroz do jazz, a house music de hoje.